Não, ela não era capaz de se entregar, e não se entregar é não viver. Se entregar é ultrapassar barreiras, romper limites, atravessar pelo meio o preconceito, e isso, ah isso ela nunca foi capaz.
Até mesmo quando setada na calçada, com uma garrafa de vodka barata e um maço de cigarros do lado, ela fumava, tragava, e colocava pra fora alem de fumaça, todos os seus medos, mas nunca admitia que ninguém ouvisse, quem quisesse, podia respirá-los, tentar decifrá-los, mas todas as tentativas sempre ficaram frustradas.
Ela conseguia acumular mais medos, sem que ninguém percebesse. Ela, ali sentada, não era capaz de tocar o seu corpo e dizer que o calor da sua pele era confortante, e que alguém poderia querer esse conforto.(E como é mesmo que se faz para se entregar a alguém, antes mesmo de se entregar a si mesma? Eu nunca tive essa resposta).
Ela recusou qualquer tentativa, refugou qualquer olhar, ela gostava do seu mundo, o seu mundinho particularmente sonso, um mundo de quem acha sutilmente doce apodrecer.
Quando cheggavam as 4 ou 5 horas da manhã, ela sempre se levantava friamente, calçava seu all star vermelho, abria os olhos lentamente, e com um olhar miope e frio, inclinava levemente a cabeça para os dois lados, e então abandonava tudo, abandonava sim, porque ela não gostava de se despedir, ela tinha o silencio ao partir, e caminhava com os olhos baixos para aquele poço onde ela adorava ficar, parava, silenciava por dois minutos - quase sempre nao durava dois minutos completos- e então olhava para trás, e sorria, me soava até ironico, eu o entendia como "ah, que bela companhia eu sou".
Ela constumava ser atordoantemente misteriosa com quem desejasse tirá-la da sua fuga interna.
Era moralmente agressiva com qualquer tentativa de ajuda de se salvar da sua corrosiva existencia.
E assim, fugindo das suas intrigantes dores ela seguia, por uma noite qualquer, tomava sua
garrafa de vodka barata, e fumava o seu cigarro, costumeiramente L.A. de cereja, e tragava, soltava silenciosamente seus medos acumulados de toda uma vida de "não entregas", cheia de preconceitos internos.

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